Gosto de janelas.
Apesar de não passarem de buracos na parede, às vezes protegidos
por vidros ou por venezianas, ou até por grades, elas dão a sensação paradoxal
de fuga, de liberdade, até mesmo de proteção.
Através de uma janela podemos observar a vida passar, o mundo se
movimentar, quase como se, expectadores alheios, não vivêssemos essa vida, como
não fôssemos parte desse mundo. O que acontece do outro lado de uma janela tem
algo de fantástico, como assistir ao sonho de uma outra pessoa, num filme preto
e branco e sem som. Até que de inopino algo nos arrebata desse devaneio,
puxando-nos por um fio de prata de volta à realidade de dentro da janela. Uma
realidade em cores, uma realidade com som. Mas incrivelmente isso não a torna
melhor – nem pior talvez – do que o sonho do outro lado da janela.
A realidade consegue por vezes ser mais inusitada do que o
sonho. A vida cria enredos que o mais inspirado dos artistas talvez não
conseguisse conceber. Ela nos compele a lidar com situações que jamais sequer
cogitaríamos em pensamento. Ela nos propõe dilemas de aparência irresolúvel
entre o orgulho e a aceitação, entre o desejo e a paciência, entre o tempo e o
amor.
Nesses momentos, precisamos buscar uma janela e olhar nossa vida
através dela, como fosse a vida de alguém. Precisamos do necessário afastamento
de nós mesmos para avaliar o que há de real e o que há de fantástico naquilo
que vemos através da janela da nossa alma.
As janelas possuem a grande virtude de deixar entrar o sol mas
barrar a chuva, de deixar passar o calor mas conter o frio, de dar passo à luz
mas permitir enxergar ao longe, a pelo menos um vidro de distância, a
escuridão.
E então, de pé escorados na esquadria, ou sentados numa Berger
de estampa antiga, ou deitados num trapézio de luar projetado no chão,
sorveremos ledos o vinho de sabor inefável, mal contendo um sorriso sincero
para o movimento da vida!