domingo, 30 de março de 2014

SOLIDÃO – Roberto Pompeo – 30/03/2014

Nada já me atrai ou me cativa

Que não seja a solidão de um cego

Que tateia pelo breu seguindo sons

Que lhe percutem incessantes os ouvidos

A chuva triste faz estardalhaço

Esparramando-se em úmida folia

Soa-me a inusitada melodia

Orquestra de outros cegos no telhado

Batuta insana de um maestro surdo

Aromas e odores se acasalam

Gerando cheiros sutis ou agressivos

Que me fazem caminhar sobre meus passos

Buscando algo desde há muito já perdido

Rumo ao deserto antepassado dos meus sonhos

Onde o amor foi ocultado por feitiço

P'ra revelar-se num dia que não há

Pelo sabor de um beijo proibido


quinta-feira, 13 de março de 2014

INQUIETAÇÃO – por Roberto Pompeo – 13/03/2014

José cismava
Cada vez que Madalena
Deixava a casa
Via fantasmas nas sombras
Vergonhas nas roupas
Desvergonhas nos olhares
Que ela dava pela praça
Em especial a Florisval

José cogitava
Cada vez que Madalena
Se alijava de seus chamegos
Das razões de tal soberba
Desrazões de tal agir
Só podia ter um nome
Tal desfeita
Abismal se chamava Florisval

José considerava
Cada vez que Madalena
Se aprumava pra sair
Lábios rubros
Olhos negros pele jade
Uma única possibilidade
O aço
De seu punhal no desinfeliz Florisval

José afiava
Cada vez que Madalena
Desafiava
Sua adaga prateada
Destinada
Ao coração desconsiderado
De Madalena
E à artéria principal de Florisval

José saía
Cada vez que Madalena
Se ia
Armado de faca
E sangria
Dominado de loucura
Para resolver enfim o tema
Do infernal Florisval

José sorria
Cada vez que Madalena
Tornava à casa
Mas não sorriu desta feita
Aço, punhal, adaga
Na mão a faca sombria
Que outro fim não possuía que
Fazer mal a Madalena e Florisval

José decidia
Cada vez que a Madalena
Ouvia os risos de gozo
Fazer obra do capeta
Pele cortada olhos mortos
Sangue rubro
Resultado do
Assassinato brutal de Madalena e Florisval

José se atormentava
Cada vez que de Madalena
Se lembrava funérea
Atroz ceifara-lhe a vida e ao amigo
Com quem nunca se deitara
Verdade depois surgida
Aos homens preferia
Para o amor carnal o defunto Florisval

José vagava
Cada vez que Madalena
Voltava aos seus sonhos
Vestindo negros andrajos
Pelos corredores pútridos
Da prisão mofada
Onde passaria o resto dos dias
Pensando que unira ao final Madalena e Florisval


quarta-feira, 12 de março de 2014

CHUVA – por Roberto Pompeo – 12/03/2014

Cai a chuva
Tempestade
Sobre a infiel
Legião
Sobre os mortais
Solidão
Retumbam seus dedos
Molhados
Sobre os ombros
Do soldado
Desce o raio
Sobre o campo
Como o santo
Sobre as águas
Brada o vento
Sua canção
Roubando
Ao homem a fala
Esfacelando
A palavra
Tão logo
Pronunciada
Emudecendo
Sua língua
O deixando
Boquiaberto
Sob o rito
Do trovão
Ante o poder
Inefável
Dobra em fé
Os joelhos
Como o freixo
Sobre o chão
Deita a fronte
Sobre solo
Suplicando por
Perdão!